Companhia sofre uma baixa na primeira saída
A Companhia de Artilharia 2918 foi enviada para Diaca, no distrito de Cabo Delgado, bem no centro do planalto dos Macondes, entre Mueda e Mocímboa da Praia, em Moçambique.
Eu era o comandante do 1.º pelotão.
Chegámos a Diaca em 21 de Junho de 1970 – e no dia 1 de Julho começava a Operação Nó Górdio, que foi, sem a mais pequena dúvida, a maior acção militar jamais lançada em toda a Guerra Colonial.
Tínhamos apenas 10 dias de Moçambique.
O meu pelotão e o 3.º pelotão largaram às cinco horas da manhã daquele 1 de Julho, integrados na Operação Nó Górdio, com ração de combate para três dias.
Seguimos rumo ao Rio Muera, passando pela ‘curva da morte’ – onde eram frequentes as emboscadas montadas pelos guerrilheiros da Frelimo.
O comandante de companhia, o nosso capitão Simões, ia connosco – para nos dar a confiança necessária aos primeiros tempos de uma guerra que desconhecíamos.
Seguíamos em silêncio absoluto.
Avançávamos pela picada em fila de pirilau, atrás uns dos outros, com muito cuidado, olhos bem abertos, armas prontas a disparar, dedo no gatilho.
Era preciso ver aonde pisávamos para evitar as minas.
A atmosfera era pesada.
De quando em vez, arrepiávamos-nos com os guinchos dos macacos.
Tínhamos andado uns quatro quilómetros quando detectámos a primeira mina antipessoal.
A fila imobilizou-se.
Os soldados dobrados sobre as G-3 perscrutavam atentamente qualquer movimento estranho.
Não levávamos o equipamento para rebentar minas – que ficara esquecido no quartel.
À falta de melhor solução e com a ingenuidade da altura, eu próprio rebentei a mina com um tiro de G-3.
Chegados à ‘curva da morte’, virámos à esquerda, em direcção ao Rio Muera.
Dois quilómetros mais à frente, parámos para pernoitar ali mesmo.
O dia seguinte começou cedo.
Coube ao meu pelotão a tarefa de começar a “picar” à procura de minas.
Avançámos poucas centenas de metros quando, de repente, se ouviu um grande estrondo: um soldado caiu – e todos os outros, em instinto de defesa, atiraram-se ao chão e dispararam rajadas para a mata.
O soldado contorcia-se com dores: cerrava os dentes nos lábios e tinha os olhos fechados e rosto sujo de terra e de trotil.
Na extremidade de uma perna, apenas se viam fragmentos e tendões destruídos por uma mina: um pé tinha desaparecido.
Era o soldado José Joaquim Guerreiro da Silva – a primeira vítima da companhia.
O cabo enfermeiro tentava minorar-lhe as dores com injecções de morfina.
Pedimos por rádio uma evacuação urgente.
Enquanto o helicóptero não chegava, os fumadores puxaram dos cigarros LM.
Passados cerca de 20 minutos, ouvimos um ronco no ar que se aproximava.
Era o helicóptero.
Nós já tínhamos preparado na picada um local para a aterragem.
O ‘heli’ pousou, carregou a primeira baixa da nossa companhia e levantou voo atirando poeira e vento para todos os lados.
"AGORA OS MEUS DIAS PASSAM DEPRESSA DE MAIS"
Carlos Paiva nasceu em São Martinho de Mouros, no concelho de Resende, distrito de Viseu.
Fez o curso liceal num colégio interno.
Quando passou à disponibilidade, em Setembro de 1972, ficou por Lisboa.
“O meu primeiro emprego, em Janeiro de 1973, foi no Ministério da Educação, como 3.º oficial”, recorda Carlos Paiva.
Em Setembro, casou-se e, em Julho do ano seguinte, entrou para o Banco Pinto e Sotto Mayor.
O casal tem duas filhas.
Hoje, Carlos Paiva está reformado da banca, onde trabalhou durante 30 anos.
Vive com a mulher no Feijó, na Margem Sul do Tejo.
O casal tem duas netas.
“Não há dúvida de que melhor que ser pai é ser avô.
Agora, sucede o contrário de outros tempos: os dias passam depressa”, diz.
A MINHA GUERRA
Carlos Paiva.
Companhia de Artilharia 2918.
Moçambique (1970-1972).
Hoje, aos 59 anos, no Feijó, Margem Sul do Tejo.
NOTA
Os leitores do Correio da Manhã podem agora contar-nos as suas histórias de guerra – em Angola, em Moçambique ou na Guiné.
Queremos ouvi-las.
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