quarta-feira, 25 de novembro de 2020

O Torneio de Futebol de Salão..., por José Nobre

 

José Nobre
24/11/2020

Moçambique – Moatize – Outubro de 1968
O Torneio de Futebol de Salão.

A vida continuava em Moatize.

Ouviam aqui e ali, que mais tarde ou mais cedo, iriam para Tete, onde ficariam até ao final da comissão. Pouco importava, desde que não fossem chamados para entrar em operações de patrulhamento.
O tempo passava devagar, mas passava e Moatize era uma vila simpática.

Um dia foram convidados, para formar uma equipa de futebol de salão, a qual iria participar num torneio, onde estariam também, várias equipas de civis e uma equipa da malta da força aérea, que estavam numa base situada entre Moatize e Tete.
Os jogos seriam efetuados no ringue de patinagem do Clube Ferroviário de Moatize, mesmo ao lado da piscina.

Iriam defender as cores da 1728 e o bom nome da Cavalaria, disse o Capitão.
E avisou para o bom comportamento que todos deveriam ter no relacionamento com as outras equipas, e sobretudo entre eles próprios.

Tenham muita atenção, eu vou estar em todos os jogos e não quero ouvir, nem caralhadas, nem fodas, nem outras coisas, caso contrário só fazem um jogo e acabou-se.
Tenham sempre em atenção, que não estão no quartel.
Todos aqueles que quiserem poderão assistir aos jogos, desde que tenham um aspeto apresentável.

O primeiro jogo foi num sábado, dia 12 de Outubro de 1968.
Estava lá a malta toda, toda a companhia tinha aderido ao chamamento do Capitão.
Faltavam todos aqueles que estavam de serviço ou de guarda.
Uma noite muito quente.

Na baliza estava o Vítor do terceiro pelotão, bom jogador, todos o conheciam pelo nome de “Vítor Porco”.
Não gostava que o tratassem por porco e respondia logo de seguida, porco é o cabrão do teu pai e a tua família toda.
Entraram em campo, iriam defrontar a equipa das minas de Moatize, a tropa aplaudiu de pé.
O nosso Capitão estava sentado entre as várias individualidades presentes, olhos fixos no ringue, tentando descobrir a mais pequena falha.
Mas não, estavam todos muito bem equipados, limpos e penteados.
Para ele não haviam dúvidas, estava ali a Cavalaria.

Começou o jogo.
A tropa jogava bem, trocavam a bola com facilidade e apareceu o primeiro golo, marcado pelo Zé Carlos, o “manhoso”.
Todos de pé a gritar, 1728 somos os melhores, só mais um gritavam.
Marcaram o segundo golo, desta vez foi o 108 o “Artolas”.
De novo a gritaria e a festa.

Penalti contra a tropa, e foi o dois a um.
Os primeiros assobios surgiram, algumas bocas para o árbitro também, gatuno, vai pró mato malandro.
O jogo endureceu, sucediam-se as faltas, quase sempre contra a tropa, os ânimos aqueciam e o Becas começava a ficar preocupado.
Novo penalti contra a tropa, desta vez sem qualquer dúvida, o “Artolas” fez falta, jogou a bola com a mão, dentro da grande área.
Silêncio, o Vítor “Porco” entre os postes olhava para os pés do mineiro, tentando adivinhar para que lado iria a bola.
Grande defesa do “Porco”.
Nova explosão de alegria.
E aí, ninguém se lembrou mais das advertências do Becas.
Grande Vítor “Porco”.
Ganharam o jogo por cinco a dois e deram uma lição de futebol aos senhores engenheiros da mina de Moatize.

Voltaram orgulhosos para o quartel e nessa noite, a conversa sobre o jogo durou até altas horas da madrugada.

No dia seguinte e já depois do almoço, o Capitão solicitou ao alferes de serviço, para mandar formar toda a companhia, mesmo aqueles que tinham serviços distribuídos.
E assim foi.
Depois do “sentido” e do “descansar”, o Becas falou.
Quero dar-lhes os parabéns pela vitória de ontem, mas sobretudo pela maneira como vocês se comportaram em campo e fora dele.
A nossa vitória não deixa dúvidas, apesar do árbitro vos ter prejudicado durante quase todo o jogo.
O próximo será na sexta-feira e a vitória será nossa.
Ouviam em silêncio, felizes.
Nunca o Becas lhes tinha falado daquela maneira e nem sequer imaginavam que o Capitão gostava de futebol.
O Becas era uma caixinha de surpresas.
Terão uma recompensa, disse.
O almoço de amanhã será bacalhau com grão e se continuarem a ganhar, outras recompensas virão.
Ouviu-se um pequeno burburinho na formatura.
O Guta falou para o “segundo andar”, ou seja para o Carromeu, que era alto como uma torre: - Tu queres ver que ainda me dá férias para ir à metrópole.
A continuar assim, ainda nos deixa trazer as meninas para o quartel.
O Becas continuou: – Só há uma coisa que eu desconhecia, parece que temos um porco na nossa companhia e que eu saiba os porcos não falam e muito menos andam fardados, ou jogam à bola.
Se ele é porco, o pai é porco, a mãe é porca, o que significa que ele não deveria estar entre nós, mas sim nalguma pocilga.
Alguns já riam às gargalhadas, o furriel “chuchas”, continuava hirto, ele e o humor nunca se tinham cruzado.
Silêncio ainda não terminei, para além do porco, suponho que deverão existir outros animais, tais como o Carlos bode, o Zé António chibe e o João boi, e quem sabe o Xico galinha.
Toda a companhia ria às gargalhadas, o Choné, todo curvado, soltava ruidosos guinchos, o Quintela limpava as lágrimas nas mangas do camuflado, o Tramagal dava pulos. O marroquino também ria, mas estava impressionado com duas coisas, o humor do Becas, que desconhecia e a falta do mesmo do “chuchas”.
Nada se mexia naquele rosto, nem o mais pequeno músculo.
Os lábios continuavam colados um ao outro.
Olhava em frente, na direção do telheiro do parque das viaturas militares.
Um olhar vazio, sem expressão, uma estátua parada no tempo.
Pela primeira vez, o algarvio sentiu pena do “parafuso”, ou seja o “chuchas”, o furriel mecânico.

Ficaram em segundo lugar no torneio, quem ganhou foi a malta da força aérea. Continuaram a chamar “porco” ao Vítor.
O Chuchas continuou igual a ele mesmo.

(Apontamentos passados a “limpo” em Portimão – 1982. )
Portimão - 24 de Novembro de 2020 - Um dia cinzento e com o COVID à espreita. Mais uma vez andei â procura de apontamentos ou das minhas "merdas" como vocês lhes chamavam. Encontrei esta e voltei a ter saudades daquele tempo....em que não existia "tempo"....Existiam, as horas. os dias, as semanas, os meses....que custavam a passar, os dias em que não sabíamos se existiriam outros. Tenho saudades de vocês. Saudades daqueles que já partiram. Saudades, do Capitão - Pereira Monteiro, e do meu irmão - José Paiva Carromeu, do 1º cabo mecânico - Carapinha. ( RIP - meus irmãos.)....Sem vocês (todos) aquela guerra teria sido bem diferente( para pior.)
José Nobre - Soldado Condutor - 044483/67 - Moçambique - Agosto de 1967 / Outubro 1969.

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