terça-feira, 29 de dezembro de 2015

EM MEMÓRIA DE UNS MEUS CAMARADAS DE ARMAS QUE MORRERAM EM COMBATE!, por António Feijó


 
Enviado pelo nosso camarada António Feijó.
 
Obrigado pela partilha!
 
« EM MEMÓRIA DE UNS MEUS CAMARADAS DE ARMAS QUE MORRERAM EM COMBATE!
 
CHAI, Cabo Delgado, Moçambique.
(Sector B da Zona de Intervenção Norte da Região Militar de Moçambique).

Esta fotografia foi tirada em 24 de Dezembro de 1967, por volta das 10h00.
Era a formatura da Companhia de Cavalaria n.º 1602, aquando da visita do General Augusto dos Santos, Comandante-Chefe das Forças Armadas em Moçambique e do Brigadeiro Costa Gomes.

Na frente deste Pelotão está o Alferes Bourbon que era o seu comandante.
O outro alferes sou eu, adjunto do Comandante de Companhia (até há alguns dias antes desta data, era o comandante interino na ausência do capitão que tinha sido evacuado por ter sofrido um grave acidente).

Na noite desse dia fizemos a nossa consoada.
Era a última que se passava na guerra.
A comissão estava a terminar e todos pensávamos regressar ao seio das nossas famílias, para as nossas terras.

No dia 25 preparamo-nos para ir render o posto avançado n.º 11 (Nantomba), que tínhamos junto ao rio M'salo, muito perto do esporão da Serra Mapé.
Não me recordo a distância certa a que estava: rondava os 20 km, creio.
Às cinco da manhã do dia 26, falei com o Alferes Bourbon antes da sua partida.
Uma coluna-auto ia transportar o seu grupo de combate, mais a secção que ia render aquela que se encontrava no posto há 20 dias, mais cinco dias dos quinze dias que lhe competia.
 
A irregularidade nos prazos de rendição tinha por objetivo evitar a rotina de horários que era propiciadora a emboscadas montadas contra nós.
 
Foi a última vez que falei com ele, como foi, também, a última que saudei alguns dos militares que já se encontravam nas viaturas com as armas na mão.
 
Não tinham chegado as sete horas quando ouvimos longínquas explosões e tiros e, logo de seguida a comunicação rádio a dar conta que a coluna havia caído numa emboscada, havendo mortos e feridos.
 
De imediato seguiu uma coluna de socorro onde fui.
Pouco depois os Alouette III estavam na sede da companhia para evacuar os militares que entretanto tínhamos trazido para ali.
 
É impossível descrever os cenários no local e depois na companhia e, se pudesse, não o faria com certeza.
Tenho as imagens fortemente marcadas na minha memória, já lá vão quase 50 anos.
 
Na fotografia estão assinalados os onze que caíram em combate e os que ficaram gravemente feridos. Não indico os seus nomes.
Tenho-os firmemente gravados no meu coração.
Tinha eu 23 anos.
Era a idade aproximada de todos os militares deste grupo de combate e da maioria daqueles que pegaram em armas para defender o que nos disseram ser parte de Portugal e disso estávamos convencidos.
Os "turras", segundo soubemos mais tarde, estavam à nossa espera há bastantes dias.
 
Eis o testemunho resumido de três dias da minha vida na primeira comissão em África.
Como eu, muitos outros e ás vezes em piores circunstância, viverem em horas, anos das suas vidas, e trouxeram consigo as dores de alma, para as quais não há hospitais e medicamentos que as curem.
 
Lembro-me muitas vezes destes meus infortunados Camaradas de Armas e muito especialmente o faço neste período, no seu aniversário que ocorre neste dia.
Rogo a Deus que os tenha na paz dos justos.
 
A vida de um combatente, daqueles que carregavam a G-3 e todo o seu equipamento às costas e andavam pelo mato ou pelas picadas, distâncias sem fim, sujeitos aos tiros e minas e também às doenças, à fome, à sede e ao cansaço, foi uma epopeia gigantesca que merece o respeito e a gratidão de todos os Portuguesas, seja qual for o quadrante político em que se encontrem.
 
Infelizmente, parece não acontecer algumas vezes, o que sinceramente muito lamento e me contrista.
 
Há dias soube que numa assembleia municipal, um deputado que foi um militar da Força Aérea, ao que parece dos serviços administrativos ou de guarnição, num arrazoado mal construído, falou como combatente para justificar uma lamentável atitude política que repudiava a consagração de um dia na vida da comunidade (que julga representar) para homenagear os Filhos da Terra que caíram em combate, ou em razão dele, ao serviço de Portugal.
Este senhor deputado pode ter as posições que quiser, mas nunca deve invocar que está a fazê-lo em nome dos combatentes, porque não o foi.
É que, nesse tempo, os militares da FA que combatiam e bem, eram os Paraquedistas. os Pilotos e as guarnições dos helicópteros, dos T-6, dos Do-27 e dos Fiats (GU-91) que apoiavam as forças terrestres nas missões de apoio de combate, nos assaltos helitransportados, nas evacuações de feridos, no apoio de fogo às operações que se desenrolavam. (Na Marinha, envolvidos em combate, eram os Destacamentos de Fuzileiros Especiais e as guarnições das lanchas de desembarque).
O serviço dos outros militares da FA, do Exército ou da Marinha era importante ou mesmo muitíssimo importante, mas, por mais complexo que ele fosse, estava a "anos-luz" das dificuldades e perigos vividos pelos combatentes que de facto o eram.
 
A proposta que foi apresentada, teve como base um largo consenso da sociedade civil, por intermédio das suas instituições mais representativas.
Infelizmente não passou na dita assembleia por ter sido rejeitada pelos deputados eleitos por um partido que tinha a obrigação moral de a acolher com agrado e apoiá-la com veemência.
 
Como disse um político português que os mortos só se choram, quando os vivos não os merecerem, teremos de lamentar profundamente o acontecido numa Terra que tanto prezo, e afirmar como tristes são os sinais destes tempos. »
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https://www.facebook.com/homenagemaosmilitaresportugueses

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Episódios Nangololo 1970, por João Maria Ribeiro Silva

 
 
Resumo da Pag. 300 - 306 .... sobre a história deste avião que ficou na pista de Nangololo com o trem de aterragem partido .... e que durante uns dias tinhamos... de sair do arame farpado para o guardar de noite ....

Pag.300 -

A GUERRA NA PICADA Deitado sobre uma maca de lona colocada em chão frio e húmido, aquele companheiro era a imagem real do pesadelo que me atormentava.
Via-o sofrido , angustiado com lágrimas de uma amargura infinita.
Sofria na carne e no intimo os horrores de uma guerra que tudo lhe desfez ........

A Força Aérea não voava de noite......
Quando conhecemos a decisão de evacuar os feridos de táxi aéreo vindo de Nampula, mais confuso fiquei.
Mueda ficava ali ao lado ...

O facto de o aquartelamento se encontrar completamente ás escuras, não podia facilitar a sua localização.
Alguém se lembrou com o recurso a tochas feitas com latas de cerveja vazias .... que estavam no lixo.
Colocamos gasóleo com óleo queimado e com a ajuda dos farois de uma viatura, iluminámos as bermas da pista para a balizar.

Uma horas mais tarde com o negrume da noite à distância de uma mão por cima das nossas cabeças, quando o ruido se ouviu sobre nós, como que ligadas em cadeia as tochas se iluminaram.
O piloto não conseguiu localizar-nos devido à densa neblina, alvitravam uns......
Será que regressou a Nampula?, inquiriam outros.

Uma hora mais tarde, com muitos de nós já descrentes chega-nos um temido zumbido.
De novo corremos para a pista e ela se iluminou.
Inesperadamente ouço um ruído abafado e constato que a aeronave guinou com a asa esquerda a roçar pelo chão até parar no arame farpado.

Quando vi um corpo meio desnudado com uma perna decepada, senti-me desorientado.
Por fim perguntei ao piloto: de onde vem ele?
De Muidumbe.
Ficámos então a saber que já vinha a caminho de Nangololo quando lhe transmitiram o pedido de Muidumbe para evacuar um ferido grave ......

A FORÇA AÉREA NÃO VOAVA DE NOITE MAS OS PILOTOS CIVIS SIM ...
ARRISCAVAM A VIDA.
Pensamento meu ......

  • Antonio Sa em que ano foi isto? este avião ficou lá para sempre? não é deste que o nosso alferes tirou o banco para descançar das caminhadas e a c.cav. 3561 tirou os rádios?
  • Duilio Caleca Será ???? Nangololo ????
  • Antonio Sa ? ao fundo não é a caserna do pessoal das "daimleres"?
     
  • Duilio Caleca Aguardemos para esclarecer.
  • Mas que os bancos fizeram muito jeito, lá isso fizeram.
     
  • Antonio Sa é fácil tenho fotos eu deitado em cima da asa que mandei para a família a dizer que estava a voar nas nuvens e vejo a matricula da aeronave.
     
  • João Maria Ribeiro Silva CAROS AMIGOS LEIAM O RESUMO DA HISTÓRIA DESTE AVIÃO EM NANGOLOLO -1970 - QUE DESCREVO POR BAIXO DO AVIÃO ....
     
  • Antonio Sa amigo João Maria por baixo não tem mais nada.
     
  • Duilio Caleca Eu passei alguns meses a iluminar a pista com latas de cerveja com gasóleo e um pavio acesso e só vi aviões civis, pela calada noite sem iluminação alguma, não fosse os mísseis fazer das suas.
  • Depois deu-se o 25.
  • Coincidências.
     
  • Armando Guterres Na Mataca também ficou uma noite, aterrou apesar de estar avisado que a pista estava encharcada.
  • No dia seguinte com a pista seca lá seguiu à sua vida.
  • Outra vez, com a informação dada no Chai de pista operacional na Mataca, ao sobrevoar a Mataca com um lindo sol e sem nuvens "uma maravilha" seguimos para Macomia porque as valas do aquartelamento estavam cheias da água da chuva...
     
  • Antonio Sa creio que não é o mesmo avião, numa foto que encontrei as janelas não são redondas. mas amanhã tiro duvidas com outras fotos.
     
  • Antonio Sa ó Duilio o padre fazia procissão na pista?
     
  • Antonio Sa Segundo contaram o piloto esteve lá e tomou umas cervejolas.
  • Quando levantou pensou que já ia no ar virou e deu com a asa na pista e lá ficou.
     
  • João Maria Ribeiro Silva Antonio Sa, o avião ao aterrar partiu o trem de aterragem, de noite, como relata o resumo que escrevi, tirado do livro a Guerra na Picada do meu camarada António Soares, em Nangololo no ano de 1970.
  • Vindo de Muidumbe com um ferido grave, para levar outro de Nangololo também com um ferido grave.
  • Conclusão tiveram de ficar a noite toda no acampamento, gemendo com dores (sem um perna cada um) à espera do Heli para os levar para Mueda ... misérias da guerra ...........

  • Antonio Sa João Maria, ok não existe ligação nenhuma são dois casos diferentes entre estes dois aviões.
  • Santos Silva Teve um furo ou kkkkk!!!
     
  • António Soares A diferença entre os dois aviões também é temporal: um acidente aconteceu em 1970 e o outro em 1972.
     
  • João Maria Ribeiro Silva e já agora Santos Silva se ler o resumo que escrevi sobre o acidente , perceberá o que aconteceu ... na pista encontravam-se pequenos montes de terra, para tapar os buracos, que iam aparecendo ..... por azar tivemos uma evacuação nesse dia de um ferido grave e aconteceu o desastre, por ser de noite cerrada ..... AZAR ....
     
  • Abel Lima Sobre o livro " A Guerra da Picada".

  • Finalmente ...
    Um livro que descreve com realismo, não só o dia a dia em Nangololo, mas também o estado de espírito dos militares que lá permaneciam meses a fio;

  • Um livro que relata episódios de guerra e que, em minha opinião, será muito bem compreendido e melhor apreciado por todos aqueles que por lá passaram durante e depois dos acontecimentos e fará refletir muitos outros, especialmente aqueles que, ainda hoje, afirmam que a guerra ou melhor a guerrilha estava ganha ou então que ela nunca existiu ou ainda que podíamos e devíamos dar continuidade àquele estado de coisas.
  •  
  • Arrisco-me mesmo a afirmar que até aqueles que estiveram em Nangololo, no início do conflito, também ficarão surpreendidos se lerem o livro.
  • Pena esta edição não ser documentada com as muitas fotos que o autor possui e já divulgou no Facebook.
  • Sairia muito valorizado;
    Um livro que traduz a triste realidade que se vivia por aquelas paragens.
  •  
  • Estes dramas agora contados passavam, na altura, de boca em boca e iam chegando ao conhecimento dos "checas".
  •  
  • Recordo que, dois anos depois, o episódio da água servia ainda de exemplo e era lembrado sempre que era necessário lá descer;
  • Um livro que vem esclarecer algumas dúvidas que me acompanhavam há longos anos relativamente às Companhias que nos antecederam em Nangololo e confirmar aquilo que eu sempre pensei e defendi sobre os motivos que determinaram o abandono dos chamados destacamentos de Miteda e de Muidumbe deixando apenas Nangololo, sob o comando de um capitão.
  •  
  • Tal aconteceu porque a situação se agravava de dia para dia e a partir de determinada altura tornou-se quase impossível continuar a fazer a chamada "guerra na picada".
  • As perdas humanas e de material ultrapassavam tudo aquilo que, mesmo para os "donos da guerra", sempre bem mais preocupados com o material, seria razoável e tolerável.
  • Em tempos eu escrevi algures que os militares continuaram em Nangololo apenas para "marcar presença" na zona, já que estrategicamente o local não teria grande interesse militar, mas o autor é mais exato e concordo com ele quando afirma, não recordo bem se com estas palavras, que a presença de militares naqueles locais servia para "entreter e manter ocupada a guerrilha" evitando que ela se estendesse para sul. Por outras palavras "carne para canhão".

  • Estive no local dois anos depois do autor do livro e durante 20 meses (julho 72/fevereiro 74).
  • O que mudou:
    Os reabastecimentos, enquanto foi possível, passaram a fazer-se por via aérea, abandonando-se as perigosas colunas (durante a nossa permanência apenas foram efetuadas duas entre Mueda e Nangololo, com os resultados que são conhecidos e não vou repetir aqui);
  • Por este motivo os bens alimentares eram escassos e por vezes faltavam.
  • Tempos houve em que chegou mesmo a esgotar a cerveja e outros em que esta teve de ser racionada;
    As picadas da zona, sem uso, foram absorvidas pela vegetação e praticamente desapareceram;
    A engenharia dotou o destacamento de um furo (90 m de profundidade, segundo constava) com bomba para retirar a água, deixando de ser necessário o abastecimento periódico na perigosa nascente, recorrendo-se a esta apenas nos casos de avaria, o que aconteceu por diversas vezes;
    Desapareceram do local as patentes superiores a capitão;
    Também nunca lá vi um médico e o padre capelão apareceu duas ou três vezes;
    O isolamento era total e sem Miteda e Muidumbe, passou a ser Mueda o destacamento mais próximo.
  • Mas a grande maioria do pessoal, presente em Nangololo, nunca lá foi;
  • As cercas de arame farpado que delimitavam o perímetro do destacamento deixaram de estar armadilhadas;
    Passaram a existir 2 geradores elétricos, funcionando um como reserva para os casos de avaria;
    Alguns pelotões construíram, de forma muito artesanal, as suas próprias casernas abrigo subterrâneas, recorrendo a grandes troncos de árvores e bidões de combustível;
  • Repetiu-se em 1973 o episódio da evacuação noturna, feita por um avião civil, nos mesmos moldes (desta vez sem o acidente do avião) e pelos mesmos motivos;
  • Passaram a fazer-se operações de vários dias a corta-mato na densa mata, algumas delas com os militares a serem largados no objetivo (ou perto dele) por helicópteros, sendo o regresso a Nangololo feito a pé.
  • Os reabastecimentos no mato, em regra, eram a cada 3 dias;
  • Mas a "guerrilha" depressa se adaptou às novas realidades e a partir de determinada altura também os meios aéreos começaram a sentir-se fortemente ameaçados e, consequentemente, o contacto com o exterior tornou-se ainda mais difícil;
  • Passaram a aparecer mais trilhos armadilhados;
  • A pista, na altura com cerca de 2,5 km, era picada (varrida) diariamente, por um pelotão, e mesmo assim foram lá detetadas, num só dia, pela minha Companhia (CCAV3561) e levantadas, sem consequências, mais de 30 minas, algumas delas anticarro (foi quase obrigatória a opção pelo levantamento para evitar a destruição da pista, dado que, ao tempo, ela constituía quase a única garantia de ligação com o exterior);
  • As flagelações com morteiros e canhões eram frequentes e no dia 4 de fevereiro de 1974, durante um ataque que se prolongou durante quase todo o dia, foi mesmo efetuado um disparo de 122;
  • Por essa altura surgiram mensagens relâmpago, provindas dos "altos comandos", informando que estaria a ser planeada e preparada por parte do IN uma tentativa de golpe de mão, envolvendo um elevado número de efetivos da guerrilha, o que obrigou a medidas excecionais de segurança.
  • Talvez devido ao facto do pessoal ter sido prevenido, gorando-se desta forma o efeito surpresa, tal não veio a concretizar-se.

    Voltando ao livro
    Li, gostei e aconselho a sua leitura.
    Parabéns e muito obrigado António Soares
     
  • Duilio Caleca Obrigado Abel Lima por transcreveres a verdade do que efetivamente se passou onde nós amargámos uma parte da nossa juventude.
    Só mesmo quem passou por elas.
     
  • Abel Lima Duilio Caleca - Bem reaparecido após as merecidas férias. Apenas comentei um livro, que considero excelente, cujo autor é um ex-camarada António Soares, membro do picadas, que não conheço pessoalmente e que esteve em Nangololo antes de nós. Vale a pena a sua leitura. Abraço.