Nunca Atirei Pedras Aos Cães.
Ao Camilo Ferreira Alves.
(Marroquino tens tabaco? Só tenho um, mas fumamos a meias.)
Para mim,e para a restante malta do nosso pelotão, eras o Braga.
Eras o Braga, porque foi nessa cidade que nasceste.
Não estivemos muito tempo juntos, talvez uns quatro meses,em Estremoz, antes do embarque para Moçambique, e depois durante o tempo que durou a viagem de Lisboa até Lourenço Marques, a bordo do Navio Niassa.
Eras condutor, tal como eu,tal como o Felgueiras, o Nelson, O Moreira, o Carromeu, o Sousa, o "Beiçolas", o Amável.
Separam-mo-nos em Lourenço Marques no dia 25 de Agosto de 1967.
Eu fiquei na grande cidade, para mais uma especialização, tu seguiste com o resto do pessoal para o Norte, para Cabo Delgado.
Lembro-me das últimas cervejas, bebidas no bar do Niassa, lembro-me de me teres dito, "Marroquino tiveste sorte,sempre são dois meses a menos no mato."
Até à próxima Camelo, respondi.
Toda a malta te chamava, Camelo, ou então doutor, escritor, poeta, e tu como homem do norte respondias com palavrões.
O teu nome dava para estas brincadeiras. Camilo Ferreira Alves - Conde de Braga.
Foi a última vez que nos vimos, mas não o sabíamos.
Não foi a última vez para mim, voltei a ver-te em Palma.
Eu e o Moreira, esperávamos em Palma, a coluna militar que nos vinha buscar para nos levar até Nangade, para nos levar de volta para a nossa Companhia, para junto da nossa malta.
Camelo,tens tabaco?
Camelo, vamos comer umas febras com açorda?
Camelo, vai mais um copo do alentejano?
Belos tempos em Estremoz.
Voltei a ver-te no dia 12 de Março de 1968.
Ajudei a cortar os bidons de gasolina que iriam servir de caixões, para ti, para o Amável, para o Guerra e para o Bibiu.
Não te rias pá, é isso mesmo,não haviam caixões, improvisamos, mais uma vez.
O Sousa lá fez as rezas habituais,cantamos o hino e demos quatro salvas de tiros, uma para cada um de vocês.
Para tua informação foi o Salazar que pagou os tiros.
Ficaram lá bem no fundo do cemitério, com uma vista do caraças para a praia de Palma.
Era quase noite,quando deixamos o cemitério, e fomos beber.
Cantamos aquelas modas alentejanas que tanto gostavas e que ouvíamos na taberna do Tio Xico, na praça principal de Estremoz.
Chorámos.
Em memória dos quatro amigos : Amável, Bibiu, Guerra e Camilo(Camelo).
Mortos numa picada entre Nangade e Palma, Cabo Delgado - Moçambique - em 11 de Março de 1968.
Apontamentos - Palma - Nangade - Moatize - Tete - Paris
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