domingo, 4 de novembro de 2018

Ao Camilo Ferreira Alves, Nunca Atirei Pedras Aos Cães, por José Nobre

José Nobre para 
2018/11/03
Nunca Atirei Pedras Aos Cães.
Ao Camilo Ferreira Alves.

(Marroquino tens tabaco? Só tenho um, mas fumamos a meias.)
Para mim,e para a restante malta do nosso pelotão, eras o Braga. 
Eras o Braga, porque foi nessa cidade que nasceste.

Não estivemos muito tempo juntos, talvez uns quatro meses,em Estremoz, antes do embarque para Moçambique, e depois durante o tempo que durou a viagem de Lisboa até Lourenço Marques, a bordo do Navio Niassa. 

Eras condutor, tal como eu,tal como o Felgueiras, o Nelson, O Moreira, o Carromeu, o Sousa, o "Beiçolas", o Amável. 

Separam-mo-nos em Lourenço Marques no dia 25 de Agosto de 1967. 
Eu fiquei na grande cidade, para mais uma especialização, tu seguiste com o resto do pessoal para o Norte, para Cabo Delgado. 
Lembro-me das últimas cervejas, bebidas no bar do Niassa, lembro-me de me teres dito, "Marroquino tiveste sorte,sempre são dois meses a menos no mato."

Até à próxima Camelo, respondi. 
Toda a malta te chamava, Camelo, ou então doutor, escritor, poeta, e tu como homem do norte respondias com palavrões. 
O teu nome dava para estas brincadeiras. Camilo Ferreira Alves - Conde de Braga.

Foi a última vez que nos vimos, mas não o sabíamos. 
Não foi a última vez para mim, voltei a ver-te em Palma. 
Eu e o Moreira, esperávamos em Palma, a coluna militar que nos vinha buscar para nos levar até Nangade, para nos levar de volta para a nossa Companhia, para junto da nossa malta.

Camelo,tens tabaco? 
Camelo, vamos comer umas febras com açorda? 
Camelo, vai mais um copo do alentejano? 
Belos tempos em Estremoz.



Voltei a ver-te no dia 12 de Março de 1968. 
Ajudei a cortar os bidons de gasolina que iriam servir de caixões, para ti, para o Amável, para o Guerra e para o Bibiu. 

Não te rias pá, é isso mesmo,não haviam caixões, improvisamos, mais uma vez. 
O Sousa lá fez as rezas habituais,cantamos o hino e demos quatro salvas de tiros, uma para cada um de vocês. 

Para tua informação foi o Salazar que pagou os tiros.
Ficaram lá bem no fundo do cemitério, com uma vista do caraças para a praia de Palma. 
Era quase noite,quando deixamos o cemitério, e fomos beber.

Cantamos aquelas modas alentejanas que tanto gostavas e que ouvíamos na taberna do Tio Xico, na praça principal de Estremoz. 
Chorámos.


Em memória dos quatro amigos : Amável, Bibiu, Guerra e Camilo(Camelo).
Mortos numa picada entre Nangade e Palma, Cabo Delgado - Moçambique - em 11 de Março de 1968.

Apontamentos - Palma - Nangade - Moatize - Tete - Paris

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