Nunca Atirei Pedras Aos cães.
Moçambique - Moatize - 31 de Agosto de 1968.
O POLVO.
Na véspera, tinha havido distribuição de correio, muitas cartas e algumas encomendas.
Uma dessas encomendas era para o algarvio ou para o marroquino, como lhe chamavam.
Abriu-a, dentro vinham algumas latas de conserva de sardinha,"sem pele e sem espinha", que eram as mais apreciadas, um jornal "A Bola" e um Polvo seco, entre outras coisas.
Era uma encomenda da namorada.
Gerou-se um enorme alvoroço na caserna, quando a malta descobriu o polvo.
Alguns conheciam o petisco, sobretudo os algarvios.
Assado na brasa, cortado aos pedaços e temperado com azeite e alhos, é de caír para o lado, uma verdadeira iguaria.
O Carromeu foi o primeiro a falar.
- À tardinha vamos para as traseiras da caserna, acendemos uma fogueira e assamos o polvo.
O Monteiro (cozinheiro), arranja o pão o azeite e os alhos.
Tu, não pagas nada, nós compramos as cervejas. E assim foi.
Eram uns vinte, os que esperavam pelo polvo, à volta do braseiro improvisado.
Para o algarvio, aquilo era muito estranho.
Aquele cheiro fazia-lhe lembrar outras paragens, outras situações, trazia-lhe o Algarve de volta.
Mais uma vez, estava no cenário errado, aquele cheiro não era africano...
Lembrou-se do homem, que todos os domingos, quando o clube da terra jogava em "casa", lá estava, com o fogareiro a assar polvo, à porta do campo de futebol.
O cheiro a polvo assado, começou a invadir o quartel, fez um voo rasante sobre a messe dos oficiais e entrou pela janela.
Amanhã logo se vê.
O Monteiro cortava o polvo aos pedaços, para dentro de uma grande travessa, o Moreira cortava o pão, e o Carromeu fazia o tempero.
Comeram e beberam, nessa noite não saíram do quartel, podiam fazer barulho até próximo das onze horas, depois era o recolher.
O cabo Naia, cantou uns fadinhos, beberam mais umas quantas "Bazucas" e a festa acabou.
Esqueceram-se de apagar e limpar os vestigios do braseiro.
Na formatura do dia seguinte, não era um alferes que estava em frente da companhia, era o Becas (capitão e comandante da companhia) em pessoa.
Normalmente era um alferes, que distribuía as tarefas e os serviços diários, nesse dia não.
O Becas estava imóvel, na nossa frente.
Batia nervosamente com os dedos no cinturão da pistola, que sempre o acompanhava.
As botas pretas e de cano alto, luziam mais que o habitual.
Andava sempre de óculos escuros, tipo James Dean, estava vermelho, portanto nervoso.
Estamos lixados, pensaram aquelas cento e cinquenta almas.
O silêncio era de igreja em dia de finados.
A bomba de Hiroshima ia ser largada sobre Moatize.
Mais uma vez o sargento Bernardino, chegou atrasado à formatura e como habitualmente tinha a braguilha aberta.
Finalmente ouviu-se a voz do Becas, gritou. - Companhia, sen.....ti.....do. Sargento Bernardino, feche a braguilha e veja se dá o exemplo.
Calou-se novamente.
O calor começava a apertar e o café da manhã também começava a fazer efeito nos intestinos de alguns, ouviu-se um peido e uns risos quase impercetíveis, o furriel "Xuxas", voltou-se tentando descobrir quem tinha sido, mas em vão.
O Becas voltou a falar. - Quem participou na petiscada do polvo assado, dê um passo em frente.
Saíram todos, os que tinham participado na petiscada.
O marroquino apanhou a nona carecada, todos os outros, apanharam dois fins de semana sem sair do quartel As estrelas da companhia, como dizia o Becas, tinham sido, mais uma fez castigadas.
O polvo estava muito bom, o resto não contava.
Amanhã será outro dia, mais um para riscar no calendário.
( Alguém se esqueceu de apagar a fogueira depois do polvo estar assado e a distancia entre a fogueira e o paiol das munições....não era muita....o Becas tinha razão.)
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