sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

OS ESTROPIADOS, por Abel Lima

 
Abel Lima

Só mais um bocadinho da história do BART2901 e de Nangololo - pág. 93
(Lembro que este batalhão teve 19 baixas mortais e 43 feridos graves)
 


OS ESTROPIADOS

Cabo Delgado de etnia Maconde,
Eterna prisão do meu pensamento.
Imagem que o meu olhar não esconde,
O ter vivido em tanto sofrimento.

Sem membros, cegos os estilhaçados,
Foram quarenta e três feridos graves.
Para sempre ficaram mutilados,
Sem cura para tais enfermidades.

Trouxeram as sequelas da guerra,
E com elas tiveram de viver.
Além de sofrerem naquela terra,
Sofreram também cá até morrer.

Sem lhes reconhecer seu valor
Votados p'ra sempre ao esquecimento.
Se não lhes puderem tirar a dor,
É justo dar-lhes reconhecimento.

Há muito mais mas fico por aqui... Gostei deste livro.
 

João Maria Ribeiro Silva

Já agora para completar o comentário tivemos ( BART 2901 ) ...
Mortos = 17,
F/Graves = 38,
F/Ligeiros = 56,
por acidente 
Mortos = 2,
F/Graves = 5,
F/Ligeiros = 5 
Total 123 ........

domingo, 4 de janeiro de 2015

Natal na guerra, por Jaime Froufe Andrade


Noite alta.

Na Cantina do Freitas, em Moçambique, jogava-se com vício e paixão.
No fim de cada partida havia sempre grande alarido.
 
Os vencedore...s, ávidos, conferiam os ganhos, metiam as moedas, as notas, nos bolsos do camuflado.
Os azarados lamentavam as perdas com pragas, blasfémias.
 
 
Para quem perdia, havia, de certeza, marosca nos lances.
Suspeita misturada com o cheiro a tabaco, liamba, cerveja, suor.
Por vezes, estalavam ferozes zaragatas.
 
Eu também fui depenado.
Levantei-me furioso da mesa de jogo.
Envenenado pela sensação de ter perdido com batota, rosnei insultos, soltei palavrões.
Mas já outro tomava o meu lugar na mesa da "lerpa".
 
Esse minúsculo reduto militar, onde antes funcionara a cantina do Freitas, ficava entre o Malawi e a Zâmbia, na província de Tete.
 
 
Ali, os serões da tropa eram iguais.
Sempre iguais.
Nessa noite, consoada de 1969, não houve trégua.
A estúrdia e os excessos até subiram de tom.
 
Agastado, a ruminar desforras, procurei consolo na minha viola.
Essa vítima dos meus maus blues acompanhava-me para todo o lado.
Dessa vez, nem a viola me valeu.
E saí.
 
 
A caminhar ao longo do arame farpado, sentia-me outro.
Levantei os olhos para o céu.
Um céu muito estrelado.
Pensei no Natal.
E tentei descobrir o tal astro mágico que guiou os reis magos até Belém.
Ébrio de estrelas, perdi-me naquela refulgente aletria cósmica, esqueci a batota, as minas, as emboscadas.
A picada.
E, no entanto, esse palco de tragédias estava ali, à vista.
 
 
Subitamente um vagido encheu de sentido a noite.
A poucos metros, numa palhota para lá da cerca de arame farpado, nascia um menino.
Um menino negro, entre palhas.