quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Daniel - O Maconde, Filho da Teresa - Maconde..., por José Nobre

 

Nunca Atirei Pedras Aos Cães.
Muidumbe - Cabo Delgado - Moçambique - Dezembro de 1967.
Daniel - O Maconde. Filho da Teresa - Maconde.

Não sei como começar esta história. 
Pelos nomes do miúdo e da mãe? 
Penso que sim. 
Os nomes foram dados por nós, ou seja pela malta do pelotão de comandos.

Quando cheguei a Muidumbe em Outubro de 1967, já o Daniel, que ainda não se chamava Daniel, e a mãe Teresa que ainda não era Teresa, comiam o que restava do "rancho", dado pelos cozinheiros e pelo restante pessoal. 

Muidumbe era um aldeamento de velhos e velhas, os novos tinham desaparecido, tinham optado pela Frelimo, pela liberdade do seu povo, tinham optado pela luta contra a tropa, tinham desaparecido no mato.

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Fazia-nos pena o puto. 
Andava nu de caserna em caserna, estendia a mão quando queria qualquer coisa e sorria. 
A mãe aparecia antes do anoitecer, levava-o para a palhota e só aparecia no dia seguinte, à hora do café e do pão. 
Um dia o "madeirense", o cabo mecânico, teve uma ideia que mudou o rumo da vida do Daniel.
Nobre, temos de saber como é que este puto apareceu. 
Aqui só há velhos e velhas, alguém teve de engravidar a Teresa. 
Já perguntei ao Pedro maconde, mas o gajo diz que não sabe, diz que quando veio de Palma para aqui já o puto tinha nascido. 
Se ninguém sabe, vamos perguntar à Teresa,
Mas ela não fala português, disse o Quintela. 
O Pedro maconde traduz, respondeu o "madeirense"....e assim foi.

Não chegamos a nenhuma conclusão, mas tomamos uma decisão. 
A partir daquele dia o puto dormiria na caserna do pelotão do comando. 
Pela aparência o Daniel deveria ter uns dois anos, nem a idade conseguimos saber. 
O "Sorna" de Olhão é que deu a idade....tem dois anos e não se fala mais nisso. Então e o nome? 
Nessa noite, depois do jantar, ficou resolvido, o nome seria Daniel. 
Hesitamos entre Daniel e Miguel, mas ganhou o "Beiçolas" de Montenegro(Faro), que tinha um irmão que se chamava, Daniel. 
Encarregamos o Pedro maconde de dizer à Teresa que a partir daquele dia o Daniel dormiria na nossa caserna....E assim foi.

Então e a roupa? Sem problemas. 
Havia uma caixa de costura no armazém da manutenção e o "Pé de Chumbo", ou seja o Lopes, que era o mais gordo da companhia e talvez de todo o norte de Moçambique, tinha uma queda para a costura. 
De umas das nossas cuecas fez umas para o puto e também fez uns calções de um pedaço de tecido, que antes tinha sido um saco de viagem. 
Vestimos o Daniel e fomos mostrar a nossa obra ao Furriel Gonçalves. 
Desatou a rir, mas já não riu quando lhe dissemos que o Daniel passaria a dormir na nossa caserna.
Vocês são doidos, disse. 
Acertou.

Falta contar o porquê da fotografia. 
Nessa noite o Daniel comeu com a tropa e o que havia para comer, era ração de combate. 
Comeu, comeu, comeu, bebeu duas latas de sumo de laranja e adormeceu, na cama preparada no chão junto à cama do "Beiçolas".

Acordamos todos ao mesmo tempo, com os gritos do Quintela. 
Tinha acordado para ir mijar à vala, era quase de manhã. 
Isto só cheira a merda, gritava, mas quem foram os cabrões que tiveram esta ideia, a caserna está toda cagada. 
Na verdade estava. 
No corredor entre as camas, havia um fio de diarreia, o Daniel tinha feito o que fez e adormeceu de novo, sem chatear ninguém. 
Tinha sido bem sucedida a primeira noite do Daniel, na caserna do pelotão de comandos. 

Continuou a dormir e a comer com a tropa. 
Eu e o Moreira saímos de Muidumbe no inicio do mês de Março de 1968, o Daniel lá ficou. 

Hoje, se for vivo, tem cinquenta e poucos anos, nunca irá ler esta história.

( Na foto estão, da esquerda para a direita - Madeirense - Quintela - Zé-Nobre - Ao centro o Daniel) - O banho do Daniel, na manhã da primeira noite passada na caserna do pelotão de comandos - Ficou a cheirar a Lavanda o perfume que roubamos ao Chico dos chouriços, que era o corneteiro).
Apontamentos de Outubro de 1967 a Agosto de 1969.

Este texto é fruto da minha imaginação. 

Eu, nunca estive em Moçambique e muito menos na guerra. 

Nunca conheci, nem o Quintela, nem o Madeirense, nem o Daniel( que não se chamava Daniel) mas esse é um simples pormenor. 

Acabo de saber também, que não sou eu que estou na foto. 

Abraço a todos.

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